ARTIGO DA PROFª VERA DIAS

Resenha de Vera Lúcia Dias
As histórias de deslocamentos de indivíduos e populações humanas tiveram lugar em todos os tempos e numa variedade de circunstâncias. Têm sido, tribais, nacionais, internacionais, de classes ou individuais. As suas causas têm sido políticas, econômicas, religiosas, étnicas ou por mero amor à aventura.Num século que produziu exilados em quantidades alarmantes, é compreensível que muitas vezes se perca de vista a real condição do exílio: longe de ser um fenômeno contemporâneo, ele está na raiz de algumas idéias sobre a própria origem da humanidade.
O livro Falando com estranhos: o estrangeiro e a literatutra brasileira, organizado pelos professores Godofredo de Oliveira Neto e Stefania Chiarelli, constitui um lançamento magistral, pois a temática não poderia ser mais atual em compatibilidade com os recentes acontecimentos ocorridos em várias partes do mundo na questão dos refugiados. E mais recentemente, encontramos todos os dias estampadas nas páginas dos jornais, notícias dramáticas com relação ao êxodo dos cidadãos venezuelanos. Trata-se de uma coletânea de textos que aborda a tradição literária nacional pelo ponto de vista de imigrantes e viajantes. São textos críticos e ficcionais de 17 autores, que declara já no título suas intenções de trânsito e diálogo. A antologia propõe uma releitura da tradição literária nacional a partir de obras com personagens que colocam em xeque a própria ideia de "nacional", como o imigrante e o viajante.
Nos ensaios, autores como Silviano Santiago, Paloma Vidal e Beatriz Resende estabelecem uma ponte entre a crítica literária e um tema central no mundo contemporâneo: as migrações em massa e a crise de refugiados, segundo declara a Profª Stefania Chiarelli.
Não se pode ignorar hoje esse assunto candente acerca do lugar do estrangeiro em nosso imaginário? A literatura sempre tentou responder a esse enigma. Talvez hoje, mais do que nunca, se coloca o problema de como a arte responde a esse cenário complexo e dinâmico.
Parte dos ensaios trata de obras construídas em torno da experiência dos imigrantes no Brasil, como as de Samuel Rawet, judeu polonês que chegou ao país em 1936. Outros livros analisados, como "Lavoura arcaica", de Raduan Nassar, e "Diário da queda", de Michel Laub, mostram descendentes de imigrantes lidando com tradições a que já não pertencem inteiramente, mas que perduram em hábitos e crenças. A violência histórica presente na formação da sociedade brasileira é discutida a partir da trajetória dos personagens africanos e afro-brasileiros do romance "Um defeito de cor", de Ana Maria Gonçalves.
Segundo Stefania Chiarelli, no Brasil temos a situação histórica de país colonizado, receptor de grande massa de imigrantes. Na concepção da autora, é incontornável, no entanto, a tensão identitária, que vai em direção contrária ao mito cordial da sociedade brasileira. Sem dúvida que existem conflito e preconceito . E nos ensaios, autores como Silviano Santiago, Paloma Vidal e Beatriz Resende estabelecem uma ponte entre a crítica literária e um tema central no mundo contemporâneo: as migrações em massa e a crise de refugiados.
Atualmente não é mais possível ignorarmos esse assunto candente acerca do lugar do estrangeiro em nosso imaginário. A literatura, sempre efetuou tentativas de responder a esse enigma. Mais do que nunca, se coloca o problema de como a arte responde a esse cenário complexo e dinâmico.
Outros ensaios se concentram em relatos de narradores brasileiros em território estrangeiro, navegando entre o estranhamento e os clichês turísticos. Stefania vê uma ocorrência maior desse tipo de personagem na literatura brasileira contemporânea, como em romances de Daniel Galera e João Paulo Cuenca, debatidos na antologia.
A professora Stefania considera que, em uma época de acirramento da xenofobia, a ainda é possível acreditar que a literatura pode ser instrumento de diálogo entre culturas. O conhecido ditado, em geral conservador e de fundo moralizante, nos ensina a evitar o estranho, a não falar com ele. A proposta desse livro, no entanto, é dar- voz e examinar o estrangeiro se coloca na literatura brasileira. Mergulhar na leitura desses textos é abrir-se ao outro, identificar-se com aquilo que ele tem próximo e distante. E esta colocação constitui um necessário exercício para pensar a alteridade.
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